Capacitismo com Autistas: Uma Realidade nas Organizações

Lá estava eu, aos 48 anos, sentado no consultório do meu neurologista, enquanto ele analisava o laudo neuropsicológico que eu havia feito recentemente. O interessante é que ele me fez a mesma pergunta que a psicóloga que elaborou o meu laudo: “Como você está se sentindo com o diagnóstico?” Por um lado, era um alívio ter finalmente uma resposta, algo que explicasse as inúmeras dificuldades e estranhezas que eu sempre senti. Por outro, era assustador me deparar com uma realidade nova, ainda que fosse minha realidade desde sempre.

Fui diagnosticado com TEA (Transtorno do Espectro Autista) nível de suporte 1, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e dislexia leve. Eu já suspeitava que tinha altas habilidades, especialmente após perceber minha capacidade de resolver problemas complexos e criar soluções inovadoras, mas agora tudo fazia mais sentido.

Relato isso não para dizer que foi fácil, mas para mostrar a importância de combater o capacitismo. Para aqueles que não estão familiarizados, o capacitismo é a discriminação e o preconceito contra pessoas com deficiência. Descobrir minha condição tão tarde na vida foi um desafio, mas me fez enxergar a importância de lutar contra essas barreiras impostas pela sociedade.

Por muitos anos, pensei que as dificuldades de leitura, a necessidade constante de movimento e a minha sensibilidade sensorial eram falhas, algo que eu deveria consertar para me adequar ao mundo. Mas, na verdade, o problema não estava em mim, mas na maneira como o mundo é estruturado.

Passada a fase de negação e entrando na aceitação, comecei a falar mais abertamente sobre a minha condição. Durante esse período, a frase que mais ouvi de amigos e colegas de trabalho foi: “Mas você é autista? Como assim? Você parece uma pessoa normal.” Como se possuir uma neurodiversidade fosse algo anormal.

Uma coisa que percebi dentro e fora dos ambientes corporativos é que as pessoas não conhecem muitos termos e significados relacionados com a inclusão e a condição de pessoas com deficiência. Por esse motivo, resolvi escrever este artigo para trazer algum esclarecimento.

O capacitismo refere-se ao preconceito e à discriminação contra pessoas com deficiências. Esse tipo de atitude tem sido amplamente discutido nas redes sociais, com muitos ativistas promovendo a conscientização sobre como o capacitismo se manifesta e afeta a vida das pessoas. Neste artigo, exploraremos o que é o capacitismo, como ele se relaciona com o autismo e como podemos trabalhar para superar esse problema.

O que é capacitismo?

Capacitismo é o preconceito ou discriminação direcionada a pessoas com deficiências, manifestando-se por comportamentos, palavras e atitudes que tratam essas pessoas de maneira injusta ou desrespeitosa.

Formas de manifestação

O capacitismo pode se manifestar de diversas maneiras, tais como:

  • Linguagem desrespeitosa: Uso de termos pejorativos ou expressões que diminuem a dignidade das pessoas com deficiências.
  • Atitudes condescendentes: Ações ou comportamentos que tratam essas pessoas de maneira inferior ou piedosa.
  • Exclusão e barreiras: Negação de oportunidades em áreas como trabalho, educação e serviços devido à deficiência.

Exemplos comuns

Alguns exemplos de como o capacitismo pode se manifestar incluem:

  • Uso de expressões depreciativas para descrever alguém com deficiência.
  • Presunção de incompetência: Assumir que uma pessoa com deficiência não pode realizar determinadas atividades sem verificar suas reais capacidades.
  • Ignorância das necessidades de acessibilidade: Desconsiderar a acessibilidade e inclusão em ambientes públicos e privados.

Capacitismo e autismo

O capacitismo tem um impacto significativo na vida das pessoas autistas. Infelizmente, esse preconceito é frequentemente observado entre profissionais da saúde, educação e nas organizações, levando a diagnósticos tardios ou incorretos, tratamentos inadequados e injustiças no ambiente de trabalho.

  • Impacto nos diagnósticos: Profissionais que possuem preconceitos capacitistas podem desconsiderar o autismo como um possível diagnóstico devido a estereótipos ou falta de informação, resultando em diagnósticos tardios e impactando negativamente o tratamento e suporte disponíveis.
  • Preconceito na sociedade: Além dos profissionais, o capacitismo está presente em várias esferas da sociedade, incluindo no senso comum e nas interações diárias. Muitas vezes, as pessoas autistas são vistas por lentes distorcidas, como se fossem diferentes ou estranhas, o que pode levar a uma visão distorcida e prejudicial da sua condição.

Como os profissionais podem ajudar

Profissionais da saúde e da educação desempenham um papel crucial na luta contra o capacitismo. Algumas ações que podem ser tomadas incluem:

  • Educação e sensibilização: Incentivar a leitura e compreensão de conteúdos criados por pessoas com deficiências para uma visão mais autêntica e informada.
  • Presumir competência: Adotar uma abordagem que reconheça a competência das pessoas com deficiência, em vez de assumir automaticamente que elas são incapazes.

Como as organizações podem ajudar

É possível criar um ambiente de trabalho inclusivo e que potencialize o desempenho de funcionários neurodivergentes, as empresas podem desenvolver programas específicos para neurodivergências. Aqui estão algumas sugestões de como implementar esses programas:

  • Entendendo a Neurodiversidade

Antes de qualquer coisa, é crucial que a empresa compreenda o conceito de neurodiversidade, que abrange condições como TEA, TDAH, dislexia, entre outras. Neurodiversidade refere-se à variação natural no funcionamento neurológico humano. Reconhecer e valorizar essas diferenças é o primeiro passo para criar um ambiente inclusivo.

  • Etapas para a Criação de Programas de Neurodiversidade
  1. Educação e Sensibilização
 - Promova workshops, palestras e treinamentos para educar todos os funcionários sobre neurodiversidade.
 - Incentive a leitura e a discussão sobre experiências e desafios enfrentados por pessoas neurodivergentes. 

2. Políticas Inclusivas

 - Desenvolva e implemente políticas que promovam a inclusão e que abordem as necessidades específicas de funcionários neurodivergentes.
 - Garanta que as políticas sejam claras e acessíveis a todos os funcionários. 

3. Ambiente de Trabalho Acessível

 - Adapte o ambiente físico e digital para atender às necessidades de neurodivergentes, por exemplo, criando espaços tranquilos para quem necessita de menos estímulos.
 - Utilize softwares e tecnologias assistivas que facilitem o trabalho desses funcionários. 

4. Processos de Seleção e Recrutamento

 - Adapte os processos de recrutamento para serem mais inclusivos, como oferecendo alternativas às entrevistas tradicionais.
 - Treine os recrutadores para reconhecer e valorizar as habilidades dos candidatos neurodivergentes. 

5. Suporte Contínuo

 - Ofereça acompanhamento contínuo e suporte individualizado, como mentorias e aconselhamento.
 - Crie um canal de comunicação aberto para que os funcionários neurodivergentes possam expressar suas necessidades e preocupações. 

6. Valorização das Habilidades Únicas

 - Reconheça e valorize as habilidades e pontos fortes dos funcionários neurodivergentes, como resolução criativa de problemas, atenção a detalhes e inovação.
 - Promova esses talentos dentro da empresa, oferecendo oportunidades de crescimento e desenvolvimento. 
  • Benefícios para a Empresa

Implementar programas de neurodiversidade não apenas promove um ambiente de trabalho mais inclusivo e justo, mas também traz inúmeros benefícios para a empresa, como:

  1. Maior Inovação: A diversidade de pensamentos e abordagens pode levar a soluções inovadoras e criativas.
  2. Melhoria da Moral e Retenção: Funcionários que se sentem valorizados e apoiados têm maior probabilidade de serem leais e produtivos.
  3. Imagem Positiva: Empresas que promovem a inclusão ganham uma reputação positiva e atraem talentos diversos.

A conscientização e a ação contra o capacitismo são passos importantes para criar um ambiente mais acolhedor e igualitário para todos, especialmente para aqueles que estão no espectro autista. É essencial que todos, desde profissionais até a sociedade em geral, se esforcem para superar preconceitos e promover a inclusão real.

Combater o capacitismo é importante porque precisamos de um mundo que valorize todas as formas de existência. Pessoas como eu, que descobrem suas condições tardiamente, merecem apoio e compreensão. Nossas dificuldades não nos definem, mas nossas habilidades e a forma como as usamos podem ser nossa força.

Escrevo sobre isso porque quero que outras pessoas não passem pelos mesmos sofrimentos e preconceitos que passei. A mudança começa com a conscientização. Precisamos educar as pessoas sobre a importância de aceitar e valorizar as diferenças. Porque, no final das contas, são as nossas diferenças que tornam o mundo um lugar mais rico e interessante.

Referências:

https://periodicos.ufabc.edu.br/index.php/revincluso/article/view/694/539

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